RECOMENDAÇÕES DE UMA PSICÓLOGA DE FAMÍLIA
Paulo Passos, psicólogo (Braga / Portugal)
Sim... uma psicóloga.
Moça ainda, relativamente, nova (beirando os 30) mas convicta (aparentemente).
É uma psicóloga de família.
Psicóloga de família... e de outras coisas.
É uma psicóloga conselheira.
Chama-se Jéssica Patrícia.
(Diz-se: Dr.ª Jéssica Patrícia.)
A Dr.ª Jéssica Patrícia é muito urbana.
Os "ímpros".
"Ímpro" é uma variante de "hiper", quando aplicada aos hipermercados.
Hipermecado ou "Hiper", para facilitar a comunicação.
"Ímpro", para os criativos.
(Para dizer a palavra "ímpro", basta verbalizar a primeira sílaba (ím), que a seguinte aparece logo. Mas tem que se carregar bem no "í". Quando assim pronunciado, surge logo a palavra completa e fica tudo composto e com o destino traçado.)
Vai-se, então, ao ímpro.
As pessoas vão ao ímpro.
O ímpro serve para fazer compras e para passear.
Ir ao ímpro, em família, é uma recomendação que a psicóloga Jéssica Patrícia aconselha.
Uma sanitária (aproveitando a moda do vocábulo) recomendação.
Sanitária e sem dar trabalho, pelo cariz voluntário que a veste, reveste e torna a vestir (tal como o vira que vira e torna a virar...).
São muito acatadas as recomendações da psicóloga de família e de outras coisas, Dr.ª Jéssica Patrícia.
Além do aconchego familiar, há o convívio ("combíbio", para os do Norte) social.
São recomendações da psicóloga Jéssica Patrícia que, numa prescrição que pode ser diária, há a recomendação de, aos domingos à tarde, o efeito ter mais impacto sobre as prazerosas expectativas.
O ímpro e o domingo à tarde, são quase um mercante fenómeno de engenharia social.
Nas tardes de domingo, as recomendações assumem, então, o seu momento áureo.
Sem contratempos, sem indecisões e sem contrariedades.
Vai-se.
Estacionado o citadino e utilitário veículo de 5 lugares (ou carrinha de 9 ou, até, de caixa aberta), vê-se o desfile de criaturas protagonistas (ainda em formato de aroma de partes de pijama cansado) em direcção à porta, que se abre só, do ímpro.
O determino da mãe retira o carrinho para as compras.
Assume o comando do veículo, assim como de todas as outras exigências.
Ainda com réstias do mau humor, fruto da zaragata na hora da refeição (por via do excesso de vinho emborcado pelo marido e sogro), vai no comando, empinando mais ainda o colosso conjunto de duas mamas que a enfeitam e se salientam sob a blusa prateada, bem colada ao corpo.
Arrasta consigo a velha-mãe que se agarra na lateral do carrinho (amparando-se, querendo acelerar para acompanhar o génio da filha, mas a perna... já não vai lá...), e que, num preparo pensado, se exibe lenta (das dores propósitas), de legs côr-de-rosa, sapatilha branca com aplicativos dourados e t-shirt justa ao corpo, da côr que mais achou ao agrado.
O marido e o sogro seguem-lhe a peugada, levando, de vez em quando (ambos), e por via do audível arejo fugido pela tubagem inferior, um sopapo ofendido, nos bandulhos, dado com a mala, junto com um sacudido e humilhante: "porcos". A velha, aproveitando a culpa já atribuída aos outros, dispara no mesmo sentido (para trás), num alívio que lhe põe um pálido sorriso no rosto. E segue viagem...!
De nada se apercebe, a velha, para além do alívio, das dores e da admiração pela sua sapatilha com aplicativos dourados.
A filha adolescente, trajada a gosto, segue num afastamento que lhe é devido às imposições das conveniências, sem retirar o olhar do telemóvel que segura e exibe com invejável honra.
O rapaz, aluno da 2ª classe, aproxima-se do pai e do avô, mas sempre vítima dos puxões dados pela mãe, para o afastar da proximidade da zona, farta em indesejados odores. Segue, então, o pequeno, entre a parte de trás do cortejo e a parte junto ao andor, numa luta com um pujante obstáculo nasal que o invade, quase até ao cérebro, que esgravata com a falangeta do indicador direito, integralmente metida na narina, acompanhado do revirar de olhos e franzir de nariz, para melhor apanhar o jeito.
A sobrinha, pela parte do marido, 18 anos acabados de fazer e vestida na sua orgulhosa moda de igual à moda, acompanha a procissão, com a primita de 10 meses ao colo, esta de bandolete amarelinha, elástica e com laço conforme, a prender as penugens que teimam em rarear, numa parceria com diversos pontos do ímpro, de onde emanam orquestrações gritadas dos infelizes berçantes, em oposição aos incómodos trejeitos ambientais das famílias no ímpro.
Num cumprido celibato emancipatório, lá vai a rusga no desígnio que lhe é de opinião e satisfação, matando outros de inveja, esta parte já não tão focalizada pela psicóloga de família (e de outras coisas), como é de bem.
Tarde passada sem demais atributos.
Acompanhando os roncos do sogro, já de volta ao paraíso familiar do r/c esqº trás de um suburbano prédio de 12 andares, vão os resmungos da matrona, numa orquestra onde se ouvem os pasmos silêncios da velha; os sons do telemóvel da filha; o trautear de uma cantiga mal cantada (estrangeira) da sobrinha, tentando acalmar o berreiro da criança de colo; os peidos do marido (que conduz) e os do filho que gargalha em sintonia com o sorriso do pai...; num rogar de praga ao dia que, invariavelmente se repetirá num futuro próximo (fds seguinte), no cumprimento das sanitárias recomendações da psicóloga de família (e de outras coisas), intitulada e auto-intitulada de Dr.ª Jéssica Patrícia.
Entusiasticamente anseiam as próximas férias anuais, de duas semanas no Algarve.
Já de férias, numa tarde de chuva, limitante para praia, cruzam-se com a psicóloga de família e de outras coisas (a auto-intitulada Dr.ª Jéssica Patrícia), que lhes desvia o olhar, enquanto se dirige para a porta principal do ímpro. Vai na companhia do pai, da mãe e da irmã (recém divorciada), enquanto empurra um carrinho de bebé, onde está deitada uma criatura de poucos meses, dando já alta voz à sua peremptoriedade para com o berreiro e para com o infortúnio.
Ao jeito passista e em modo desanca! Ainda bem que há alguém que desafina e chama os bois pelos nomes!
ResponderEliminarSó os peixes mortos andam conforme a corrente. Obrigado pelo comentário.
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